quarta-feira, 29 de agosto de 2007

MUSA

Mario Waddington

Deslumbrando os outeiros do teu corpo, de mim distantes,
Imagino as diversas nuances de tua cor;
Que pontilham as tuas sutis estradas,
E que dão acesso à transparência dos teus olhos,
Que convidam um artista as mais lindas canções e poesias de amor.

De que valem à experiência e o vigor do poeta,
Se o amor que procura é o da construção do ninho,
Parca filosofia humana da necessidade inesgotável de preservação.

Quem desbravará, contudo, toda a sinuosidade dos teus caminhos,
Respeitando a exuberância da tua paisagem,
Para respirar profundamente, na tônica do amor,
O aroma despertado pelo desejo da conquista?

Quem saberá olhar na profundeza dos teus olhos,
O desejo e a submissão,
Entender de tua boca entreaberta e ofegante
A ordem de ser possuída?

Enquanto isso o tempo passa, inexorável,
Pouco se importando com a timidez dos sentimentos,
Pois é eterno e não temporário como a matéria que abriga a alma,
Tornando-o insensível as cores, as dores, a terna melodia da emoção.

Quanto medo sinto em vê-la agarrada à pedra,
Como a folha que se recusa a seguir o curso do caudaloso rio,
Por não entender o teu destino,
E as dificuldades do teu caminho.

Mas volto o olhar para a vida e visualizo a beleza do momento,
E sinto toda energia emanada do teu corpo em êxtase.
Vejo tua exuberância feminina em tremor,
Onde tua delicadeza pede para ser explorada até no mais ínfimo detalhe.

Escuto a canção dos teus gemidos,
Dos teus pedidos.
Emociono-me com as tuas lágrimas
E o despojamento das tuas forças, vencidas.

Como és linda!
Como és pura!
Como és sedutora!
Mas tu és a quimera do meu amor poeta,
Apenas uma ilusão.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

SILÊNCIO

Mario Waddington

Vejo-te como uma pequena chama,
Incrustada no interior do templo da Vida,
De luz tênue, a mercê do vento ou da brisa,
Solitária e indecisa, incrédula com a tua própria força.

Silêncio,
Somente a débil claridade da tua energia se faz presente,
No ínfimo espaço que possuis,
Por força do isolamento escrupuloso.

Linda mulher, mas no seu ar misterioso e contido,
Deixa escapar o calor que existe num coração dolorido,
Incapaz de confessar temores, falar de sonhos,
Incapaz de rir das peças hilariantes do destino.

Nada procuras, apenas deixa passar e espera momentos,
Como as folhas que se arrastam penosamente na corrente do rio,
Sem vida, sem força, sem destino,
Tentando se prender as pedras na busca de um novo caminho.

Se soubesses que a vida nada exige,
Que respeita teus desejos e sonhos,
Que canta tuas vitórias e derrotas,
Como parte do progresso das existências.

Que chora e ri das tuas experiências,
Na insana busca da felicidade subjetiva,
Dos sonhos e quimeras
Que te afastam do rumo norte,
Para viver apenas como espuma do mar.

Desperta o som de tua voz,
Faça clarear a tua chama,
Deixa esquentar as emoções da alma,
Para, no Templo da Vida,
Existir no verbo amar.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

O PALHAÇO ORELHA

Mario Waddington

Exatamente no dia 17, numa linda manhã de agosto, do ano de 2007, quando estava indo do bairro do Castelo para Botafogo, Rio de Janeiro, entrou no ônibus um sujeito vestindo um macacão de cetim, de cor amarela, pintado com círculos pretos, rosto perfeitamente maquiado à moda antiga, nariz vermelho, peruca preta e grandes orelhas de borracha, apresentando-se, educadamente, com voz impostada e estridente, como o amigo Palhaço Orelha.
A sua alegria contrastava com a sisudez dos passageiros, que o encaravam como mais um chato a perturbar-lhes a viagem para o trabalho, vendendo miudezas através de uma lengalenga já muita bem conhecida de todos. Mas tal fato não ocorreu, o Palhaço Orelha, com a paciência de um professor primário, foi-se mostrando engraçado, observador e rápido nas suas falas e respostas.
Um homem que estava sentado à minha frente, de uns 40 anos presumíveis, de vestes simples, rosto marcado pelas dificuldades que a vida lhe impunha, ria feliz, como uma criança, vendo de perto aquele maravilhoso personagem que, com certeza, encheu de felicidade a sua infância. Obviamente que o Palhaço Orelha dedicou-lhe especial atenção, com um respeitoso carinho de uma brincadeira simples e ingênua.
Aquele saltimbanco conversava com todos, perguntando se alguém estava aniversariando naquela data. Se encontrasse, então, todos iriam cantar "parabéns pra você" em sua homenagem. Estava claro que ninguém iria se apresentar, pois iria, inevitavelmente, se tornar um companheiro daquele palhaço e iria ser gozado até o final de sua viagem.
Preferiu o alegre bufão dar um caloroso “bom dia!”. Respirou fundo, pedindo que os passageiros fizessem o mesmo. Constrangidos, muitos num destoante coro, conseguiram dar o tal do “bom dia!”. Quebrado o gelo, o palhaço passou a vender mimosos cartõezinhos com mensagens de amor e carinho. Compadecido daquela alegre e triste figura, comprei dois, imaginando como seria a vida real daquele jovem ator, e as suas dificuldades e tristezas. Como era capaz de rir, de fazer os outros rirem, com o peso da intolerância humana?
O Palhaço Orelha enfim se despediu de todos, agradeceu aqueles que o ajudaram e os que lhe deram apenas a atenção, num pequeno e ineloqüente discurso, síntese do resultado de sua excessiva repetição.
Depois de algum tempo, ao levantar-me para sair do ônibus, surpreendi-me ao ver o Palhaço Orelha no ultimo banco, sentado próximo à janela, em silêncio, sentindo a brisa em seu rosto, com olhar vago, sem se importar com o tempo, com o seu tempo, pois o amanhã, que ansiosamente o aguardava, não tinha a menor graça.
Sem picadeiro e sem fanfarra, sem luzes coloridas e vistosas bailarinas, vive esse solitário palhaço apenas com seu respeitável público, oferecendo sua efêmera alegria e seu enigmático sorriso que só à lembrança contagia.

DOCE FANTASIA

Mario Waddington

A imprevisibilidade da vida é a angústia mais latente,
Fingimos ignorá-la substituindo-a por outros medos,
Mas seu poder, como a tempestade que surge repentinamente,
É impossível de ser reprimido, pois é inflexível.
Qual o momento? Qual à hora? Qual o tempo?
Não sabemos. Só conhecemos a verdade através da ilusão,
Que tudo ameniza, que tudo ampara e que tudo embeleza.

Ah! Doce fantasia! Que nos dá a idéia da eternidade,
Fazendo-nos progredir e alar nossos sonhos,
Fazendo da quimera a realidade,
Transformando o simples ato de viver numa interminável tragicomédia.

O que guardamos tão secretamente,
Que nos faz mesquinhos, intolerantes?
Quantas palavras se usam para determinar nossos axiomas?
Por que tanta avareza se temos apenas a alma?
Será que somos uma mentira?

Ah! Doce vento! Que me traz o cheiro da terra molhada,
Que me afaga em teu frescor,
Que desperta a minha alegria,
E me livra temporariamente das impetuosas manias do ter,
E do ser, sem ser.

Ah! Impassível tempo!
Que na sua rigorosa labuta,
É cego e surdo na efemeridade dos sentimentos.
Adverso às fantasias humanas,
Corre contra si mesmo para o derradeiro fim,
E o começo de tudo.

Da arrogância a humildade do vencido,
O imprevisível conduz o homem ao seu lugar,
Abrindo a caixa dos seus segredos,
Expondo-os ao silêncio da sua enigmática consciência.

Ah! Doce fantasia! Que nos dá a idéia da eternidade.
Que faz do passado um retrato e, do futuro,
Momentos para sonhar.

Ah! Facciosa fantasia!
Pois como ostras agarradas às pedras,
Sob a fúria ininterrupta do mar,
Permanecemos assim, quietos,
Deixando o tempo apenas passar.