sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O PÁSSARO

Mario Waddington

Como um pássaro que se liberta, mas ainda inseguro pelas difíceis lembranças do passado, traz em sua memória as feridas de tristes momentos. Voa se sentindo preso, doente e de asas pesadas, vislumbrando o horizonte ainda distante, que acreditava inatingível.
O medo de ser recapturado e sentir os já conhecidos maus tratos das personalidades conflitantes, o faz ficar acuado por não sentir forças suficientes para pousar em local seguro. O que fazer? Pergunta a esperançosa ave, que procura o acolhimento da paz para o trato de suas antigas feridas. Entende que precisa se fortalecer, mas precisa da força da água, do fogo, da terra e do ar, que se encontram escassos em seu mundo debilitado e hostil.
Chamam-na de egoísta, pois não vêem suas feridas ainda abertas, já que desconhecem os momentos pelos quais passou em solidão, tentando ser feliz. Qual o momento de pousar, se o medo ainda reveste sua plumagem, como couraça do mais puro barro? O tempo certamente dirá. O Sol envolve-a com seu calor e a Lua lhe pede calma, trazendo-lhe o sono reparador.
Percebe que o pior já passou, mas arestas para uma obra de fino acabamento precisam ser torneadas, para ser admirada não na sua superfície, mas na delicadeza da alma do seu artista. Tem a seu favor a esperança, pois descobre que não está só, e que um dia será feliz em seu reino repleto de cores, aromas e amores. Pousará na árvore que realmente lhe abrigará, respeitando a vida que sempre sonhou ter.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

O RIO E A VIDA

Mario Waddington

O rio, tortuoso e pedregoso...
Como a estrada da vida,
Calmo ou violento,
Nunca deixa de seguir seu ininterrupto curso.

Como folhas secas e sem vida,
Muitos se agarram à sua beira,
Na tentativa de fugir das inevitáveis surpresas
Que apagam o brilho do momento,
Mas ilumina o espírito no seu eterno tempo.

O rio sabe que o oceano o espera,
Mas o homem, como a folha desgarrada, se amedronta,
E prende-se à pedra da ilusão,
Na vã tentativa de fugir do incerto destino.

Mas se romper os liames da incerteza,
E se deixar flutuar na transparência das águas,
Dissipa-se o medo no frescor da corrente incontida,
Para, exultante, retornar a sua fonte,

A confiança do pássaro ensina,
Quando no seu primeiro vôo
Lança-se de sua arvore segura,
Que todos nós somos singelos protagonistas,
Na imensurável força da vida.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

O MÉDICO E EU

Mario Waddington

Numa tarde chuvosa e fria de quinta-feira, num final da primavera, estava como um náufrago tentando vencer a tenebrosa vaga humana, quase que perpétua da Avenida Rio Branco, se não existisse a quietude do negro véu da madrugada. Maltratava-me o frio que sentia através das pernas das minhas calças molhadas, açoitadas pelo vento gélido e úmido que insistia em me castigar. Meus cabelos dançavam como cobras da Medusa, e minha fronte, encharcada, gotejava como um velho prédio sem marquise. Algo me machucava internamente, fazendo-me escravo da dúvida, do medo, levando-me a equilibrar-me mentalmente dizendo: você está bem, siga em frente!
Pessoas humildes estorvavam o fluxo das pessoas apressadas, desatenciosas e barulhentas, algumas se postavam na minha frente, oferecendo pequenos papéis de empresas duvidosas, emprestando dinheiro fácil, sem comprovação de renda, ou convidando-me a relaxar numa terma, enaltecendo as qualidades das prostitutas ali existentes. Deixava-me tonto tudo aquilo, pois embaralhava minhas inseguranças com a balbúrdia de uma cidade mal educada, tendo como fundo o irritante som das buzinas e os insistentes gritos dos camelôs, negociando mercadorias “pirateadas”, sob os olhares desatentos da polícia.
Chegando finalmente ao prédio do consultório do cardiologista, admirei a sua entrada que se assemelhava à portaria de um hotel de luxo, de 4 estrelas, não mais, considerando os trajes galaneados dos seus funcionários e da sua suntuosa entrada.
Indaguei a um porteiro, preocupadamente solícito, sobre o rumo que deveria tomar para chegar ao andar procurado. Apontou-me para um conjunto de elevadores à direita, e, em voz clara e audível, que colocaria inveja a um locutor de rádio, afirmou-me que qualquer um daqueles me levaria ao local desejado. Obedecendo prontamente entrei em um elevador falante que me informava, em voz feminina e austera, os andares pelos quais passava, assim como se estava subindo ou descendo. Existia naquele cubículo uma câmara que me observava curiosamente, esperando talvez que fizesse alguma macaquice, já que estava só e livre da severidade dos olhos alheios.
Ao entrar no gabinete médico, após passar pelo crivo dos pacientes sonolentos, que aguardavam o atendimento, apresentei-me à recepcionista que estava preocupada com um diálogo idiota entre dois excêntricos personagens de uma novela mexicana. Uma hora depois, fui finalmente encaminhado ao cardiologista, dando graças a Deus, já que não agüentava mais ficar olhando para a cara dos outros pacientes e ler revistas de fatos já ocorridos há meses.
O médico que me atendeu contrastava com a minha detalhada linguagem descritiva, de tão objetivo que era. Rápido como um raio fez-me perguntas, respondia com sagacidade as minhas explicações e lia com a presteza de um escrivão a papelada dos exames que apresentei. Ao tentar um monólogo sobre a minha triste sorte, na mesma intensidade do melodrama mexicano da sala de espera, ponderou-me de imediato que deveria procurar um especialista para tais casos de desconcerto existencial, e tratou-me de me colocar em uma cama para um eletrocardiograma e exames de praxe. Estava com a pressão arterial de 17 por 10, disse ele em voz sussurrante e preocupada, ensaiando um personagem shakespeariano. Enquanto realizava o eletro, meu espírito divagava. Nos meus pensamentos, via o coração como ponto da emoção, dos sentimentos, do amor, mas aquele especialista o enxergava como uma máquina encrencada, enferrujada e desgastada pelo uso, mas que precisava funcionar como um relógio suíço. A ilusão da vida é interessante, pois ela é que promove os sonhos e encanta a existência. Sem ela, acredito, a vida numa metrópole seria insuportável.
Terminados os exames, acrescentou-me mais um remédio para ajudar a estabilizar a minha pressão arterial, agradeceu-me a presença e solicitou-me que voltasse na sexta-feira da outra semana, para verificar a situação da mesma. Recomendou-me, ainda, que fizesse exercícios e controlasse o sal na minha alimentação. Agradeci, despedi-me da secretária e dos sonolentos pacientes, que, por sua vez, não me deram nenhuma atenção. Em alguns segundos, já estava na maldita rua barulhenta, envolta num tempo sem cor e brilho, rodeado de pessoas estranhas e sem essência, num mundo do faz de conta, protegido apenas com um diminuto guarda-chuva de camelô, da tempestade que tentava limpar todas as impurezas por nós criadas e deixadas descuidadamente no nosso passar.
Indo para o ponto do ônibus, pensava: seguirei o exemplo do querido poeta Manuel Bandeira; também irei embora pra Passárgada, pois, com certeza, lá também sou amigo do rei. Lá tenho a mulher que quero, na cama que escolherei! Vou-me embora pra Passárgada, pois lá descansarei.

(30/11/2006)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

CHUVA NOTURNA

Mario Waddington

Vens devagar, à noite e sorrateira,
Denunciando, através das folhas, o teu chegar.
Fria, silenciosa, com teu corpo pulverizado no vento a dançar, penso:
O que representas? Quem és? O que queres? Qual o teu segredo?
Por que tudo se emudece com a tua misteriosa presença?

Repentino o ribombar do trovão, severo tutor da água,
Revelando num claror, outeiros e vales, com o raio que fulgura impetuoso,
Denunciando obscuros lugares à procura do medo.
É forte o teu murmurar, o teu pisar, a tua presença.

Aumentas a tua intensidade,
Como lágrimas de desespero,
Na tortura do vento que procura escravizar esse sofrimento,
No divino movimento de uma criativa força descomunal.

Tudo se movimenta com a energia acelerada do néctar despejado,
Vegetais se abrem para receber a vida,
Troncos são limpos dos galhos e folhas ressequidas,
E o forte alísio, impiedoso, açoita os ramos,
Fazendo-os entoar melancólicas melodias.

Inúmeros córregos repentinos invadem como soldados,
Com as suas armas barrentas,
À terra desesperada,
À procura de desabrigados e fugitivos de sua força arrebatadora.

Mas a misericórdia divina
Torna efêmera a intensidade do prodigioso momento.
Por não conhecer a morte,
Ameniza a força e concede a brandura da aragem,
Mas, sob o domínio da garoa, a noite torna-se prudente.

A negritude do momento, amparada pelo silêncio,
Tudo aquieta sob um frio manto.
As aves noturnas, em respeitoso vôo,
Movimentam-se sem alarde,
Como se estivessem em um templo.

Meu coração busca pela luz do dia,
Mas minha alma leva-me às lembranças de outrora.
Acomodo-me e aqueço-me,
Uma torrente de lágrimas de felicidade corre sobre minha face,
E descubro agora o sentido da chuva.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

O CAVALEIRO - reflexões peregrinas

Mario Waddington

Era uma linda manhã de segunda-feira, do dia 23 de abril do ano de 2007. O Sol e o calor estavam intensos, mas adornados por um lindo céu azul e nuvens brancas. Uma ligeira brisa vinda do sul suavizava os rostos suados dos devotos, que aglomerados em frente à Igreja de São Jorge - o Santo Guerreiro ou o Orixá conhecido por Ogum, entre os seguidores da sincrética Umbanda, assistiam a uma celebração religiosa em sua homenagem. Era uma missa campal realizada ao lado do arborizado e histórico Campo de Santana, que um dia serviu para o treinamento militar das forças do Império Brasileiro na triste guerra do Paraguai.
O velho e mal conservado relógio da Central do Brasil marcava, numa das suas quatro faces, 8h30min, embora o meu indicasse 10 horas. Muitos se vestiam com as cores vermelha e branca, ou ostentavam camisetas com a estampa da figura do santo, com seu cavalo empinado e o diabólico dragão transpassado pela lança do divino cavaleiro. Era um magnífico show de fé, cores, fitas e flores. Muitas barraquinhas vendiam, além de gordurosas ou adocicadas comidas típicas, pequenas lembranças do milagroso para serem bentas e servirem de amuleto até a próxima festa.
O sermão do pároco foi perfeito, vestindo uma casula vermelha para aquela celebração, conseguiu, em pouco tempo, numa síntese perfeita e em boa oratória, levar mensagens de conciliação familiar e de comportamento social. Eu olhava para as pessoas e via seus olhos atentos às palavras do reverendo, como preocupadas em não perder uma só virgula. O público, de diversas camadas sociais e raças, em sua maioria de pessoas de gostos simples, se apertavam entre si em torno do palanque eclesiástico. Fiquei ali tentando entender aquela fugaz e íntima relação entre o Divino e os homens. Estes prometiam o que não iam cumprir e Deus, na sua infinita paciência, fingia acreditar, aguardando um dia a concretização daquelas palavras ajuramentadas, mas falseadas na sua essência.
Uma mulher de meia idade, de olhar grave atrás de óculos de grossa armação, num meticuloso coque grisalho, em trajes fechados, escondendo seu volumoso corpo, portando uma carcomida bíblia, passou rapidamente ao largo da turba, falando sobre o pecado da idolatria das imagens. A atitude insana e incoerente daquela religiosa fanática foi, surpreendentemente, ignorada por todos, e, não encontrando eco nas suas palavras apocalípticas, desapareceu como por encanto, engolida, talvez, pela própria intolerância.
O culto terminou com a aspersão de água benta, seguida de uma salva de palmas e gritos de “Salve São Jorge”. Muitas lágrimas escorriam das faces endurecidas pela vida difícil e de suaves rostos juvenis que esperam, com incrível ingenuidade, um futuro melhor daquele vivido por seus pais. Lembrei-me dos malditos políticos e autoridades corruptos; de um Brasil deteriorado pela cobiça e mentiras; de um povo massacrado pela violência e impunidade; do futuro incerto dos jovens; da miséria. Comovi-me, levantei repentinamente os braços sob a força da indignação e gritei bem alto para o santo ouvir: “Salve-nos, São Jorge! Livra-nos dos dragões!”
Com o fim da missa e a dispersão dos devotos, tentei entrar na igreja através de uma das três imensas filas. Acabei optando por uma que se estendia ao longo da Rua da Alfândega. Era a única que não era castigada pelo Sol das 11 horas, já que estava protegida pela sombra do velho casario do antigo mercado do Saara. Lentamente e pacientemente eu e os devotos aguardamos, com a humildade do pedinte, a vez de nos defrontarmos com as nossas consciências e fraquezas, de encararmos aquele ser sobrenatural e magnânimo, de rogarmos a tolerância do Santo, reconhecendo, no íntimo de nossa alma, o grandioso mistério que nos envolve, vigia, acata, acolhe e liberta, por entendermos, no íntimo de nossa alma, a limitação da qual somos prisioneiros.
A abordagem insistente dos vendedores de fitas vermelhas, com o nome do Santo venerado gravados; pedintes; vendedores de refrigerantes; pagadores de promessas que distribuíam santinhos com a imagem do guerreiro, na verdade, não era de todo mal, já que ajudava a passar o tempo com aqueles tipos curiosos. Mancomunados com a energia sagrada que envolvia o ambiente, as atitudes respeitosas e fraternas entre os presentes eram quase que obrigatórias.
Finalmente, no átrio do templo santo, gradativamente fui me aproximando do grande salão. Consegui visualizar distante a venerada imagem, em tamanho real, de São Jorge. Como um rio, cuja corrente é interceptada por uma grande pedra, aquela massa humana parava em frente à imagem em tamanho real, para prosseguir em seguida seu curso, rumo à saída do templo.
Fui me aproximando lentamente, sem pressa, impulsionado pela massa de fiéis, todos de olhos fixos no Santo, fazendo em sussurro suas preces, e rogando por sua misericórdia e auxílio. Repentinamente, alguém enlevado por sua alegria e fé saudava o Santo guerreiro, e todos repetiam, em uníssono, com muito fervor.
Algum tempo depois, impossível de ser calculado, consegui encostar minhas mãos na grade que protegia o Guerreiro dos ansiosos devotos. Lá estava Ele, o Santo Romano, o Soldado da Fé, o Orixá Ogum, o Cavaleiro destemido decapitado por não renegar sua fé no Cristo de Deus. Fui absorvido pela expressão de seus olhos, tinham um ar de compaixão, de tolerância infinita, de amor caridoso. Fiquei enlevado, agradecido, senti-me parte de toda aquela energia que brotava das almas presentes. Era o momento dos milagres, pois a sintonia estava perfeita com o universo divino.
Procurei pelo dragão e não o encontrei. Onde estaria? Só vi o Cavaleiro e o Cavalo! Por quê? A tríade famosa não existia naquele lugar. Seria ruim a simbologia do mal na Igreja, mesmo transpassado e derrotado pela lança do destemido Guerreiro? Deixei-me levar pelas minhas reflexões, buscando as razões em meu inconsciente, nas minhas lembranças e recordações. Subitamente entendi, o dragão simbolizava a nossa ignorância, os nossos erros, a nossa intolerância, e todos os sentimentos ruins que cultivamos durante nossa efêmera existência. O Cavaleiro era alma e, o Cavalo, o corpo, que vivem em eterna luta contra os dragões por nós criados. Emblemavam a nossa luta diária, e por que não dizer eterna, para o nosso aprimoramento, nossa elevação diante de Deus. Quando o Cavalo padece, fraco está o Cavaleiro e forte está o dragão.
Larguei a grade e, ao sabor da corrente humana, fui de encontro à saída. Entrei em uma imensa sala repleta de lembranças daquele dia festivo. Comprei alguma coisa para ajudar na manutenção do templo e retirei-me. Do lado de fora escutei os sinos repicarem, anunciando a celebração de uma nova missa. Olhei para as torres da Igreja e, silenciosamente, agradeci aquele momento de entendimento, de aprendizado, prometendo retornar, se Deus quiser, aquele momento solene de união entre minha alma, meu corpo e minha elevação, para mais uma reflexão de um solitário peregrino.



SEREI O VENTO

Mario Waddington

Um dia, serei o vento que te encontrará em qualquer lugar,
Que desarrumará teus cabelos, deixando-os loucos, indecisos, suplicantes para afagar.
Que alisará tua pele em busca do teu aroma e frescor,
Fechando teus olhos, sentindo tua boca, embriagando-se com teu calor, teu ardor, arvoando-se de prazer.
Um dia, serei o vento que murmurará em teus ouvidos palavras inaudíveis de paixão,
Envolvendo teu corpo num efêmero abraço sem fim.
Que fará estremecê-la e ver em tua boca um singelo sorriso de prazer.
Que buscará tuas verdades e mentiras, teus medos e receios, tuas vontades e recusas, para achar a tua essência.
Um dia, serei o vento que encontrará os verdadeiros sentidos em tão doce criatura,
Que se inebriará com a energia do teu ser, na força irresistível e invisível do xamânico ar.

SENTIMENTO DE PAZ

Mario Waddington

Sinto o vento e o aroma da flor.
Sinto os olhares dos anjos
Que me acariciam com sua eterna tolerância.
Sinto o amor das palavras dirigidas a mim,
Como flechas envenenadas de carinho, cor e brilho.
Sinto a paz e a suave musica da noite convidando-me a reflexão.
Preciso voar,
Alcançar altura suficiente para ver além do horizonte.
Quero me juntar ao Sol para renascer diariamente e morrer com a Lua,
Para viver eternamente um grande e inesquecível tempo de amor.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

MUSA

Mario Waddington

Deslumbrando os outeiros do teu corpo, de mim distantes,
Imagino as diversas nuances de tua cor;
Que pontilham as tuas sutis estradas,
E que dão acesso à transparência dos teus olhos,
Que convidam um artista as mais lindas canções e poesias de amor.

De que valem à experiência e o vigor do poeta,
Se o amor que procura é o da construção do ninho,
Parca filosofia humana da necessidade inesgotável de preservação.

Quem desbravará, contudo, toda a sinuosidade dos teus caminhos,
Respeitando a exuberância da tua paisagem,
Para respirar profundamente, na tônica do amor,
O aroma despertado pelo desejo da conquista?

Quem saberá olhar na profundeza dos teus olhos,
O desejo e a submissão,
Entender de tua boca entreaberta e ofegante
A ordem de ser possuída?

Enquanto isso o tempo passa, inexorável,
Pouco se importando com a timidez dos sentimentos,
Pois é eterno e não temporário como a matéria que abriga a alma,
Tornando-o insensível as cores, as dores, a terna melodia da emoção.

Quanto medo sinto em vê-la agarrada à pedra,
Como a folha que se recusa a seguir o curso do caudaloso rio,
Por não entender o teu destino,
E as dificuldades do teu caminho.

Mas volto o olhar para a vida e visualizo a beleza do momento,
E sinto toda energia emanada do teu corpo em êxtase.
Vejo tua exuberância feminina em tremor,
Onde tua delicadeza pede para ser explorada até no mais ínfimo detalhe.

Escuto a canção dos teus gemidos,
Dos teus pedidos.
Emociono-me com as tuas lágrimas
E o despojamento das tuas forças, vencidas.

Como és linda!
Como és pura!
Como és sedutora!
Mas tu és a quimera do meu amor poeta,
Apenas uma ilusão.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

SILÊNCIO

Mario Waddington

Vejo-te como uma pequena chama,
Incrustada no interior do templo da Vida,
De luz tênue, a mercê do vento ou da brisa,
Solitária e indecisa, incrédula com a tua própria força.

Silêncio,
Somente a débil claridade da tua energia se faz presente,
No ínfimo espaço que possuis,
Por força do isolamento escrupuloso.

Linda mulher, mas no seu ar misterioso e contido,
Deixa escapar o calor que existe num coração dolorido,
Incapaz de confessar temores, falar de sonhos,
Incapaz de rir das peças hilariantes do destino.

Nada procuras, apenas deixa passar e espera momentos,
Como as folhas que se arrastam penosamente na corrente do rio,
Sem vida, sem força, sem destino,
Tentando se prender as pedras na busca de um novo caminho.

Se soubesses que a vida nada exige,
Que respeita teus desejos e sonhos,
Que canta tuas vitórias e derrotas,
Como parte do progresso das existências.

Que chora e ri das tuas experiências,
Na insana busca da felicidade subjetiva,
Dos sonhos e quimeras
Que te afastam do rumo norte,
Para viver apenas como espuma do mar.

Desperta o som de tua voz,
Faça clarear a tua chama,
Deixa esquentar as emoções da alma,
Para, no Templo da Vida,
Existir no verbo amar.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

O PALHAÇO ORELHA

Mario Waddington

Exatamente no dia 17, numa linda manhã de agosto, do ano de 2007, quando estava indo do bairro do Castelo para Botafogo, Rio de Janeiro, entrou no ônibus um sujeito vestindo um macacão de cetim, de cor amarela, pintado com círculos pretos, rosto perfeitamente maquiado à moda antiga, nariz vermelho, peruca preta e grandes orelhas de borracha, apresentando-se, educadamente, com voz impostada e estridente, como o amigo Palhaço Orelha.
A sua alegria contrastava com a sisudez dos passageiros, que o encaravam como mais um chato a perturbar-lhes a viagem para o trabalho, vendendo miudezas através de uma lengalenga já muita bem conhecida de todos. Mas tal fato não ocorreu, o Palhaço Orelha, com a paciência de um professor primário, foi-se mostrando engraçado, observador e rápido nas suas falas e respostas.
Um homem que estava sentado à minha frente, de uns 40 anos presumíveis, de vestes simples, rosto marcado pelas dificuldades que a vida lhe impunha, ria feliz, como uma criança, vendo de perto aquele maravilhoso personagem que, com certeza, encheu de felicidade a sua infância. Obviamente que o Palhaço Orelha dedicou-lhe especial atenção, com um respeitoso carinho de uma brincadeira simples e ingênua.
Aquele saltimbanco conversava com todos, perguntando se alguém estava aniversariando naquela data. Se encontrasse, então, todos iriam cantar "parabéns pra você" em sua homenagem. Estava claro que ninguém iria se apresentar, pois iria, inevitavelmente, se tornar um companheiro daquele palhaço e iria ser gozado até o final de sua viagem.
Preferiu o alegre bufão dar um caloroso “bom dia!”. Respirou fundo, pedindo que os passageiros fizessem o mesmo. Constrangidos, muitos num destoante coro, conseguiram dar o tal do “bom dia!”. Quebrado o gelo, o palhaço passou a vender mimosos cartõezinhos com mensagens de amor e carinho. Compadecido daquela alegre e triste figura, comprei dois, imaginando como seria a vida real daquele jovem ator, e as suas dificuldades e tristezas. Como era capaz de rir, de fazer os outros rirem, com o peso da intolerância humana?
O Palhaço Orelha enfim se despediu de todos, agradeceu aqueles que o ajudaram e os que lhe deram apenas a atenção, num pequeno e ineloqüente discurso, síntese do resultado de sua excessiva repetição.
Depois de algum tempo, ao levantar-me para sair do ônibus, surpreendi-me ao ver o Palhaço Orelha no ultimo banco, sentado próximo à janela, em silêncio, sentindo a brisa em seu rosto, com olhar vago, sem se importar com o tempo, com o seu tempo, pois o amanhã, que ansiosamente o aguardava, não tinha a menor graça.
Sem picadeiro e sem fanfarra, sem luzes coloridas e vistosas bailarinas, vive esse solitário palhaço apenas com seu respeitável público, oferecendo sua efêmera alegria e seu enigmático sorriso que só à lembrança contagia.

DOCE FANTASIA

Mario Waddington

A imprevisibilidade da vida é a angústia mais latente,
Fingimos ignorá-la substituindo-a por outros medos,
Mas seu poder, como a tempestade que surge repentinamente,
É impossível de ser reprimido, pois é inflexível.
Qual o momento? Qual à hora? Qual o tempo?
Não sabemos. Só conhecemos a verdade através da ilusão,
Que tudo ameniza, que tudo ampara e que tudo embeleza.

Ah! Doce fantasia! Que nos dá a idéia da eternidade,
Fazendo-nos progredir e alar nossos sonhos,
Fazendo da quimera a realidade,
Transformando o simples ato de viver numa interminável tragicomédia.

O que guardamos tão secretamente,
Que nos faz mesquinhos, intolerantes?
Quantas palavras se usam para determinar nossos axiomas?
Por que tanta avareza se temos apenas a alma?
Será que somos uma mentira?

Ah! Doce vento! Que me traz o cheiro da terra molhada,
Que me afaga em teu frescor,
Que desperta a minha alegria,
E me livra temporariamente das impetuosas manias do ter,
E do ser, sem ser.

Ah! Impassível tempo!
Que na sua rigorosa labuta,
É cego e surdo na efemeridade dos sentimentos.
Adverso às fantasias humanas,
Corre contra si mesmo para o derradeiro fim,
E o começo de tudo.

Da arrogância a humildade do vencido,
O imprevisível conduz o homem ao seu lugar,
Abrindo a caixa dos seus segredos,
Expondo-os ao silêncio da sua enigmática consciência.

Ah! Doce fantasia! Que nos dá a idéia da eternidade.
Que faz do passado um retrato e, do futuro,
Momentos para sonhar.

Ah! Facciosa fantasia!
Pois como ostras agarradas às pedras,
Sob a fúria ininterrupta do mar,
Permanecemos assim, quietos,
Deixando o tempo apenas passar.