segunda-feira, 22 de setembro de 2008

QUANTOS ANOS TEMOS

QUANTOS ANOS TEMOS?

Mario Waddington

Quantos anos temos?

Por que o tempo passa frio e tão ligeiro como o vento,

Empurrando-nos para o abismo das reflexões?

Meus olhos confessam o que o espelho está cansado de refletir.

Por que mentem para mim? Por que são tão ingênuos?

 

Procuro no passado a resposta, mas vejo o jovem procurá-la no futuro,

Acreditando na sua infiel eternidade.

Quanta subjetividade para se defrontar com o austero tempo!

O perdão não existe, e sim a chance do recomeço.

 

A noite se foi, a luz da manhã brilha suave.

Mais um dia se foi.

Quantos anos temos?

Sei que preciso ir, mas para onde?

 

A resposta está além do futuro,

Pois o tempo não se importa com os anos, já que é eterno.

É indiferente aos meus olhos,

Pois só vê a eternidade do meu ser.


Quantos anos temos? Não me importa mais!

Pois não sei quantas vidas tive.

Preciso sentir o vento e voar no vazio das reflexões,

Para simplesmente aprender a não ser mais uma sombra,

Já que sou feito apenas de luz.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A SEREIA E O BOIADEIRO

Mario Waddington

A SEREIA E O BOIADEIRO

Na noite de 25 de janeiro de 2008, estava sentado em minha poltrona ainda remoendo o filme que acabara de assistir: Cartas de Iwo Jima, do formidável Clint Eastwood. Ao longe, escutava o batuque dos atabaques de uma gira de umbanda, que estava acontecendo na praia. Percebi que eles saudavam e cantavam pontos em louvor ao grande Orixá Yemanjá. De vez em quando pipocavam morteiros e ouvia aplausos, despertando a minha curiosidade poética. Fui até a varanda, mas a distancia me impedia de ver, com clareza, aquele segmento da religiosidade africana. Resolvi, então, ir até a praia e ver de perto o que tanto me chamava atenção. Ao chegar ao terreiro - acredito que posso assim chamar aquele espaço ritualístico - verifiquei que ele estava sob o comando de duas entidades: Yemanjá e um Caboclo chamado Boiadeiro. Os devotos tinham acabado de lançar ao mar um barquinho cheio de oferendas para a luminosa Janaína, mãe dos Orixás e Senhora da calunga grande.
O suave ponto que entoavam, fazia com que a médium - que naquele momento estava sob o efeito da força da divina Mãe do Universo, a Rainha do Mar - ficasse ondulando levemente o seu corpo, mergulhado até a altura dos seus joelhos, como uma graciosa sereia. De braços abertos e segurando com a mão esquerda um espelho emoldurado e na outra um pente, todos da cor branca, a entidade dançava com divina graça um de seus cânticos, escondendo o rosto do seu “cavalo”, com uma pequena cortina de contas, presa num lindo chapéu forrado de tecido branco.
Ao lado da iabá estava o Caboclo Boiadeiro, portando um chapéu de couro, com muitas guias no pescoço, expressão severa e altiva. Fumando um charuto, comandava a gira com pulso, determinando os pontos que deveriam ser cantados, e não deixando que os atabaques e os irmãos de fé, na gira, esmorecessem. Mostrava-se forte e protetor.
Seduzido por aquele momento mágico, mantinha uma distância discreta para não incomodar aquele trabalho religioso. No entanto, o Caboclo aproximou-se de mim e me cumprimentou abraçando-me, falando-me de um jeito que só consegui entender o final: - que o mais importante era a saúde e a união. Que eu não me preocupasse e confiasse, de coração, em Oxalá. Fiquei atônito, já que não esperava tal encontro.
Algum tempo depois, a médium incorporada na força de Yemanjá, após atender algumas pessoas a beira mar, que, como eu, estavam assistindo aquele ritual, virou-se para mim e abriu os braços. Entendi que estava me chamando e me aproximei. A Entidade então me abraçou carinhosamente, e senti a sua força e a sua paz. Despedi-me dela e retornei ao meu lugar.
Depois todos os devotos se aproximaram do congá e começaram a dançar e a cantar no eterno giro cósmico. Num momento em que estava distraído, não percebi que a Princesa do Arocá se aproximava de mim. Saiu da onde estava e veio com sua cambona ao meu encontro. Abraçando-me, novamente, deu-me uma pequena concha branca, e por gestos traduzidos pela sua prestimosa auxiliar, disse-me que o meu coração estava triste, mas que confiasse em Oxalá. Acrescentou que iria me ajudar através de uma prece, e que tivesse fé. Retornando ao terreiro deixou-me atordoado, já que em toda minha vida nunca tive a oportunidade de um contato tão direto com entidades espirituais da umbanda. Nessa noite não consegui dormir direito, acordava a toda hora. Estava como se estivesse carregado de energia. Guardei com carinho a concha em meu bolso e a lembrança dos rostos dos médiuns que tão bem me atenderam naquele instante. Percebi que suas almas estavam adormecidas, para seus corpos servirem aqueles Espíritos benfeitores. Um momento sutil, especial, que nunca mais esquecerei.